EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
BEATI PAUPERES VOS
DO SANTO PADRE
BONIFÁCIO
SOBRE O SERVIÇO AOS POBRES
POR OCASIÃO DO DIA MUNDIAL DOS POBRES
INTRODUÇÃO
1. "Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus" (Lc 6, 20). Ao proferir as bem-aventuranças, Cristo não apenas consolida a dignidade dos despossuídos, mas também subverte as expectativas humanas e sociais, revelando uma verdade eterna: o valor dos que, em sua humildade e pobreza, lançam-se inteiramente nos braços da Providência Divina. O Senhor proclama que é precisamente na vulnerabilidade, na carência material e no despojamento que se manifesta a verdadeira riqueza espiritual, aquela que não se corrompe nem se desvanece, mas que permanece e floresce na eternidade.
2. Neste Dia Nacional dos Pobres, somos, mais uma vez, convocados a contemplar a realidade daqueles que vivem à margem e a reconhecer a sua centralidade no projeto salvífico do Reino de Deus. A Igreja, em sua missão perene de ser sacramento de salvação para todos os povos, é chamada a refletir profundamente sobre o papel dos pobres como destinatários privilegiados do amor de Cristo e como sinal vivo de Sua presença no mundo. Assim, diante da realidade do sofrimento e da exclusão social, o discipulado cristão nos impele a um compromisso que transcende as palavras e se concretiza em gestos tangíveis de justiça e caridade.
3. É inegável que o seguimento de Cristo exige de nós uma atitude de serviço e de entrega total ao próximo. O próprio Jesus, o Verbo encarnado, escolheu assumir a forma de servo, ensinando-nos que a grandeza no Reino de Deus se revela no humilde serviço aos outros. Ele, que é o Senhor dos senhores, não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10, 45). À luz deste ensinamento, somos chamados a imitar o exemplo divino do Mestre e a abraçar, com fervor renovado, a missão de servir aos pobres e necessitados, reconhecendo neles o rosto do Cristo sofredor. Desta forma, cumprimos a vontade do Pai e nos aproximamos do ideal evangélico que proclama a bem-aventurança daqueles que são pobres de espírito, pois deles é o Reino dos Céus (Mt 5, 3).
I. O SERVIÇO AOS POBRES COMO EXPRESSÃO NATURAL DO AMOR CRISTÃO
4. O serviço aos pobres emerge, de forma inextricável, como uma expressão essencial e natural da identidade cristã. Não se trata de uma escolha periférica ou de uma opção facultativa no caminho da fé, mas sim de um dever intrínseco ao seguimento de Cristo, uma resposta à ordem divina que transcende as diferenças de cultura, tempo e espaço. O Senhor, ao definir o amor como o maior de todos os mandamentos — "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento" e "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 37-39) —, nos orienta a uma vida de entrega e serviço aos outros, especialmente aos mais necessitados e vulneráveis.
5. A caridade cristã, portanto, é uma virtude que não pode permanecer estagnada em boas intenções ou em palavras piedosas; ela deve se traduzir em gestos concretos que expressem o amor de Deus por meio das nossas mãos. Os Padres da Igreja, desde os tempos antigos, sublinharam a inseparabilidade entre o amor a Deus e o amor ao próximo, vendo nos pobres um sacramento vivo da presença divina. São João Crisóstomo, por exemplo, admoestava a necessidade do serviço aos pobres. Em seu exemplo aprendemos que de nada se vale adornar os altares da Igreja se Cristo, presente nos pobres, é deixado a morrer de fome nas ruas. Assim, a nossa fé ganha autenticidade e profundidade quando se manifesta em atos de misericórdia e compaixão, tornando-se um reflexo da própria ação de Deus em favor da humanidade.
6. A tradição cristã está repleta de exemplos sublimes de santos que consagraram suas vidas ao serviço dos pobres. Entre estes, São Francisco de Assis brilha como um modelo inigualável. Ele, que outrora viveu em riqueza, ao ouvir o chamado de Cristo na cruz de São Damião, renunciou a todos os seus bens e abraçou uma vida de pobreza radical, reconhecendo nos pobres o rosto do próprio Senhor. A opção de Francisco de viver entre os mendigos e marginalizados não foi um mero ato de ascetismo, mas uma expressão profunda de sua conformidade com Cristo, que, sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza (2 Cor 8, 9).
7. Além de São Francisco, muitos outros santos entenderam que o cuidado pelos pobres é um caminho privilegiado para encontrar Cristo. Santa Teresa de Calcutá, em sua incansável dedicação aos pobres mais pobres, via no rosto de cada irmão, de cada enfermo, o semblante do Cristo crucificado, e a eles dedicava suas mãos e seu coração. Ao servir os pobres, servimos o próprio Senhor, como Ele mesmo nos recorda em Sua sublime lição escatológica: "Em verdade vos digo, todas as vezes que fizestes isto a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes" (Mt 25, 40).
8. O serviço aos pobres, portanto, não é apenas um ato de benevolência, mas uma expressão teologal do amor cristão, que encontra sua fonte e modelo no próprio Cristo. Ele, sendo Senhor de tudo, escolheu a pobreza e o despojamento, e na última ceia lavou os pés dos Seus discípulos, ensinando-nos que a verdadeira grandeza no Reino dos Céus reside na humildade e no serviço. A missão de cada cristão é seguir este exemplo e ver no serviço aos pobres um caminho de santificação e de encontro com Deus. É na doação generosa ao próximo, no cuidado dos famintos, dos doentes e dos marginalizados, que a fé se faz viva e o amor se torna palpável, transformando o mundo à luz do Evangelho.
II. A PERSEGUIÇÃO E O ESCÂNDALO DO SERVIÇO AOS POBRES
9. Ao proclamar as bem-aventuranças, Nosso Senhor Jesus Cristo também nos advertiu sobre as tribulações que sobreviriam àqueles que escolhessem viver de acordo com Seus ensinamentos. O compromisso com o serviço aos pobres e o exercício pleno da caridade cristã são frequentemente alvo de incompreensão e até mesmo de oposição. As palavras de Cristo ressoam ainda hoje: "Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos ultrajarem e repelirem o vosso nome como infame, por causa do Filho do Homem" (Lc 6, 22). O próprio Senhor foi alvo de críticas e rejeição por associar-se com os pecadores, por acolher os marginalizados e por colocar os necessitados no centro de Sua missão salvadora.
10. Desde os primeiros tempos da Igreja, o serviço aos pobres e o cuidado dos marginalizados foram marcas distintivas da vida cristã, porém, não sem resistência. O testemunho das primeiras comunidades, narrado nos Atos dos Apóstolos, mostra-nos que a prática da partilha e do cuidado fraterno era vista como um escândalo para muitos que observavam os seguidores de Cristo: "Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum; vendiam suas propriedades e bens e distribuíam a cada um conforme a sua necessidade" (At 2, 44-45). Essa vivência radical do amor e da justiça despertou desconfiança e perseguição, pois confrontava diretamente as estruturas sociais e econômicas da época, baseadas no acúmulo de riqueza e no desprezo pelos mais fracos.
11. No entanto, mesmo diante de críticas e obstáculos, o compromisso com os pobres deve ser visto como uma missão essencial da Igreja, um testemunho vivo da sua fidelidade ao Evangelho. Recordemos que o próprio Cristo afirmou: "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós, odiou a mim" (Jo 15, 18). Ao enfrentar a oposição, não devemos desanimar, mas antes nos alegrar, conscientes de que estamos participando dos sofrimentos de Cristo e nos unindo à Sua missão redentora. A caridade autêntica, aquela que é movida pelo amor de Cristo e direcionada aos mais necessitados, frequentemente desafia a mentalidade do mundo, que valoriza o poder, a riqueza e o prestígio. São Tiago nos exorta: "A religião pura e sem mácula diante de Deus, nosso Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações e guardar-se incontaminado do mundo" (Tg 1, 27). Esta é uma clara manifestação de que a verdadeira vivência cristã não se limita a ritos ou palavras, mas também se expressa na ação concreta, especialmente no cuidado com aqueles que estão em situações de vulnerabilidade e sofrimento.
III. OS POBRES: UM TESTEMUNHO DO REINO DE DEUS E UM APELO À CONVERSÃO
12. Os pobres, em sua fragilidade e simplicidade, são uma expressão concreta do Evangelho e um testemunho vivo do Reino de Deus, que lhes é prometido de modo especial. Quando Jesus proclama que os pobres são bem-aventurados, Ele não se refere apenas à pobreza material, mas sobretudo a uma pobreza espiritual, caracterizada por uma disposição interior de humildade, desapego e confiança plena na Providência Divina. Tal atitude de espírito nos convida a um exame profundo de nossa vida, apontando para a necessidade de uma contínua conversão do coração.
13. A mensagem dos pobres, então, transcende o mero apelo à caridade material; ela é, antes de tudo, um chamado à conversão. Eles nos lembram das palavras de Cristo quando afirmou: "Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões arrombam e roubam. Mas ajuntai para vós tesouros no céu" (Mt 6, 19-20). Os pobres, em sua confiança absoluta em Deus, revelam-nos a efemeridade das riquezas terrenas e a importância de buscar os bens que não perecem, os tesouros eternos que encontramos ao vivermos os valores do Reino.
14. Neste Dia Nacional dos Pobres, somos chamados a reconhecer nos pobres não apenas os destinatários de nossa assistência e caridade, mas como autênticos portadores de uma mensagem divina que nos interpela. Assim como os primeiros discípulos de Cristo foram enviados aos mais necessitados para anunciar o Reino dos Céus, nós, enquanto Igreja, devemos fazer o mesmo, acolhendo os pobres com compaixão e respeito. Ao fazer isso, acolhemos o próprio Cristo, que se identifica com os mais humildes e sofredores. O testemunho dos pobres é, portanto, um convite para todos os cristãos a vivenciar de forma mais plena o mandamento do amor. A caridade cristã não se limita a uma ajuda eventual ou a uma doação esporádica, mas implica uma partilha autêntica de nossos bens, de nosso tempo e de nossa presença. Ao estender a mão aos pobres, partilhamos as bênçãos que Deus nos deu e testemunhamos a graça do Evangelho, fazendo-nos participantes do mistério do amor divino que se revela em cada ato de misericórdia.
15. Que este Dia Mundial dos Pobres seja um marco de renovação em nossa caminhada de fé e em nosso compromisso com a justiça social. Inspirados pelo exemplo de Jesus Cristo e guiados pelo Espírito Santo, sejamos motivados a aprofundar não apenas nossa caridade pessoal, mas também a promover mudanças estruturais que garantam dignidade a todos. Devemos reconhecer a importância de políticas públicas eficazes e justas, que respondam ao clamor dos pobres, garantindo acesso a alimentos, moradia, saúde e educação. Como Igreja e como sociedade, somos chamados a agir conforme nos exorta o Evangelho: "Tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, era estrangeiro e me acolhestes, estava nu e me vestistes, enfermo e me visitastes, preso e fostes ver-me" (Mt 25, 35-36).
16. Esse apelo de Cristo nos desafia a reconhecer Sua presença em cada pessoa necessitada e a construir um mundo onde a solidariedade seja um pilar essencial. Ao servirmos aos mais vulneráveis, ao trabalharmos por políticas que promovam justiça e igualdade, somos verdadeiramente instrumentos do Reino de Deus, que já se faz presente entre nós e se manifestará em sua plenitude na vida eterna. Imploremos a intercessão de Nossa Senhora, Mãe dos Pobres, para que inspire em nossos corações um amor verdadeiro e generoso. Que, por sua intercessão, possamos caminhar juntos na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, onde todos tenham a oportunidade de experimentar o amor de Deus e a sua infinita misericórdia.
Dado em Roma, junto a São Pedro, aos dezessete dias do mês de novembro do Ano do Senhor de 2024, XXXIII Domingo do Tempo Comum, Dia Mundial dos Pobres.