INOCENTIVS, EPISCOPVS
SERVVS SERVORVM DEI
AD PERPETVAM REI MEMORIAM
LITTERAE ENCYCLICAE
COMPASSIO
1.Cristo sofreu, compadeceu-se [1] por aqueles que um dia o conclamariam a Cruz. Cristo sofre e se compadece dos perdidos. Esta é a face misericordiosa que Cristo visa ressaltar. Ele se compadece das dores, de caminhada e deseja levar a todos à plenitude. Assim, a compaixão é o sentimento que deve mover e provocar no fiel ao Caminho e à Verdade, pois que, sem isso, nada é possível aceder.
2. Compaixão, compassio. Sentir com o outro, sofrer com ele. Essa palavra tão cheia de significados e de raiz sucinta hoje é tão mal compreendida e esvaziada de sentido. Por que dizê-lo? Bem, é pela percepção, ação, atividade que podemos observar se há ou não compreensão do sentido das coisas.
3. Se compreendo que há uma cadeira no meu caminho, desvio dela e sigo. Se compreendo o sentido de “compaixão”, exerço-a para com o outro. No entanto, o agir moral hodierno passa desapercebido disso, “nossa cultura moderna nos tirou a compaixão pelos nossos semelhantes; nós nos tornamos incapazes de chorar” [2].
4. Ao que parece, a banalidade chegou àquilo que pode mais nos humanizar: o sofrimento. A banalidade pelo uso exacerbado do termo “amor“ para caracterizar amizades interesseiras, ciclos biológicos chegou, também, à compaixão. A indiferença ao Outro, à sua condição, à sua natureza enquanto semelhante tem se feito mais latente ao observar as experiências que me circundam.
5. A capacidade de amar é natural, inerente ao ser humano. A compaixão se constitui neste amor ao próximo a ponto de sofrer com aquele que sofre, colocar-se no lugar daquele que é ridicularizado, ofendido e maltratado. Onde se observa o desafeto e a desgraça, aquele que procura o bem expressa compaixão sincera e verdadeira. O não discernimento da condição de sofrer deve ser aceito como um mistério, tão somente necessário compadecer-se [3]. Ao observar o escárnio, a indiferença, deve-se expressar este sentimento.
6. A Escritura ainda retrata a bem-aventurança dos misericordiosos, explanando: “bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia” [4]. Santo Agostinho em sua exposição sobre o Sermão da Montanha ainda acrescenta: “Pode alguém encontrar problemas nesses trabalhos, ao caminhar por vias rudes e escarpadas, cercado de múltiplas tentações. Ele vê erguer-se diante de seus olhos, como montanha, as misérias de sua vida passada. Se ele teme não poder levar a termo a obra começada, tome conselho para conseguir algum auxílio. E que conselho será esse? Sofrer a fraqueza de seu próximo! Ao aspirar pelo auxílio do alto, que ele mesmo faça tudo o que puder para vir em ajuda da fraqueza de seus irmãos”. [5] Ora, assim, o homem é convidado, por fraternidade, a coparticipar do sofrimento do seu semelhante. Não é fácil, realmente, colocar-se no lugar do outro, mas é necessário. Este é, talvez, o limitador da nossa construção moral: só nos compadecemos daquilo que já sofremos.
7. No entanto, a ética e a experiência ressaltam que é necessário ir além deste “personalismo” (ou melhor, egoísmo em sentido mais lato), é necessário combater o mal. “Todo mal vem da fragilidade do espírito. Assim, ninguém é mais inocente do que quem procura se aperfeiçoar na virtude” [6]. O convite de executar atos de amor e compaixão é latente.
8. A compaixão humaniza-nos, permite com que ofereçamos ombro amigo, ouçamos a penúria e observemos o escárnio humano sendo combatido com o amor. A compaixão também se encontra em outras matrizes religiosas e no próprio ideal humano. “Quer você creia em Deus, quer não creia, quer creia em Buda ou não (...) Temos que participar dos sofrimentos das outras pessoas. Mesmo que você não possa ajudá-las com dinheiro, mesmo assim sempre é válido expressar apoio moral e empatia. Esta deve ser a base de nosso agir. Se chamamos isto de religião ou não, é o que menos importa”. Vale lembrar, também, de outras palavras registradas em excurso religioso: “Em verdade, te digo, que amo aquele que não odeia a ninguém e a ninguém faz mal, mas é amigo e amante de toda a Natureza, e aquele que é bondoso, livre de vaidade, orgulho e egoísmo, e conserva sempre a equanimidade, sendo paciente na desventura”.
9. A observância da compaixão é latente nos excursos éticos e morais das tradições religiosas. O Senhor, verdadeiro Deus e dono da verdadeira Revelação, procura, também, guiar-nos à compaixão. Ela não pode ser entendida por contingências ou parcialidades. Ainda assim, a ciência e a valoração sofrem com isso [9], pois falho é o homem. Acima de tudo, prezem os fiéis católicos e homens de boa vontade pela observância do preceito da compaixão.
10. Compadecer-se não significa dar escusa às irresponsabilidades e dessabores do seu semelhante, mas, sim, repensar suas ações como expressão de algo maior: seja de sua verdadeira dor ou de sua desordem. Cabe a nós aceder à verdade e à caridade é o rumo do crescimento em Cristo, sempre com paciência, benignidade e fraternidade, para que não se caia no juízo pouco prudente.
11. Que através da ação, do comprometimento com a vida ativa, possamos exercer a compaixão. É ideal humano, compreensão do próximo e de si que é colocada em jogo quando se perde a possibilidade, esta consciência de compadecer-se, de sofrer.
12. O homem que aceita o mal presente em sua vida perde a consciência moral e a capacidade de agir conforme o bem. Que trabalhemos incessante e desinteressadamente, que nos compadeçamos do sofrimento e possamos oferecer abrigo àqueles que sofrem e que são escarnecidos. Tudo isto seja feito com verdadeira piedade. Que sejamos, ao contrário disso, canais de compaixão, fortaleza e paz.
A todos os diletos irmãos e irmãs, envio minha bênção apostólica, e encorajo a todos que se mantenham firmes na esperança, apesar de toda tempestade, todo desamor e todo desafetado que venha contra a Igreja, estes jamais prevalecerão [10].
Dado em Roma, junto a São Pedro, no vigésimo dia de outubro do ano do Senhor de dois mil e vinte e um, segundo do nosso pontificado.
+INOCENTIVS, Pp. VI
PONTIFEX MAXIMVS
REFERÊNCIAS:
[1] cf. S. Mt. 9, 36
[2] cf. Francisco, Discurso na ilha de Lampedusa.
[3] cf. S. João Paulo II, Salvifici Doloris, III, 11.
[4] cf. S. Mt. 5, 7.
[5] cf. De Sermone Domini in Monte, St. Augustinus Hipponensis, LV.
[6] cf. De Sermone Domini in Monte, St. Augustinus Hipponensis, LVII.
[7] cf. Lógica do Amor, Dalai Lama.
[8] cf. Bhagavad Gita, XII, XIV.
[9] cf. I Cor. 13, 9.
[10] cf. S. Mt. 16, 18.